A constatação de uma alteração fraudulenta no Regimento
Interno da Câmara Municipal de Jussara que permitiu mudar o sistema de eleição
da Mesa Diretora levou o Ministério Público de Goiás a pedir liminarmente à
Justiça o afastamento imediato do atual presidente do Legislativo municipal,
Deusdete José de Andrade. O pedido foi feito em ação civil pública por ato de
improbidade administrativa, proposta pelo promotor Rômulo Corrêa de Paula
contra Deusdete, os vereadores Alandelon Wanderlei de Oliveira, Francisco
Rebouças Neto e Salvador Teixeira Lobo, o assessor jurídico da Câmara, Emivaldo
de Souza, e o servidor do Legislativo Mauro Luís da Silva.
A ação tem como fundamento as constatações de inquérito
policial concluído neste ano e do inquérito civil público. Conforme relatado
pelo promotor, os seis réus se associaram para alterar fraudulentamente o
Regimento Interno e beneficiar o grupo político do qual faziam parte, viabilizando
um meio de manter Deusdete José na presidência do Legislativo municipal. As
articulações para a fraude ocorreram, segundo destaca a ação, em outubro do ano
passado, logo após as eleições municipais que definiram os nomes dos 11
vereadores que comporiam a Câmara a partir de 2013.
Vereador Deusdete |
De acordo com o relato, houve uma cisão no grupo político
comandado pelo atual presidente da Câmara, com a saída de um de seus
integrantes, o vereador Nilson Gomes. Com a dissidência, o grupo, que antes
detinha a maioria de votos na futura composição, passou a ser minoria, o que
ameaçava a eleição de Deusdete para novamente comandar o Legislativo municipal.
Isso porque o atual Regimento Interno prevê que a Mesa Diretora da Câmara de
Jussara será definida pelo voto nominal dos vereadores (artigo 10).
Assim, detalha a ação, diante da iminente “derrota” do
grupo, o vereador Alandelon procurou Deusdete e lhe apresentou um “jeitinho”
para se manter na presidência. A proposta foi de alteração do Regimento Interno
para que o presidente da Câmara Municipal no primeiro biênio da legislatura
passasse a ser o vereador mais votado nas eleições, no caso, o atual
presidente.
“O problema era que qualquer alteração no regimento interno
dependia dos votos da maioria dos vereadores, o que não seria obtido pelo grupo
político de Deusdete”, aponta o promotor. Diante disso, sustenta a ação, o
grupo decidiu falsificar todo o processo legislativo que culminaria na
alteração das normas.
Elaboração de projeto
Para executar o plano, o vereador Alandelon, que também é
advogado, elaborou em seu escritório um projeto de emenda modificativa,
propondo a alteração regimental nas eleições da Mesa Diretora. Com o texto em
mãos, o parlamentar dirigiu-se à sede da Câmara no dia 18 de outubro de 2012 e
protocolou o projeto de emenda.
Ocorre que, na oportunidade, Alandelon apresentou apenas uma
via do texto para a servidora do protocolo, que foi carimbado. Mas, de acordo
com o que foi apurado, o vereador pediu essa via de volta, devidamente
carimbada, alegando que iria apresentar o projeto pessoalmente na sessão
plenária. Desta forma, não permaneceu nenhuma via do documento na Câmara e o
grupo conseguiu ter uma via do “projeto” com o carimbo do protocolo,
“validando” a proposta de emenda.
No dia seguinte, 19 de outubro, descreve a ação, foi
realizada uma sessão plenária no Legislativo, na qual foram votados assuntos da
pauta do dia. Neles, não foi incluída a proposta de emenda modificativa. Assim,
enfatiza o promotor, como os registros da sessão foram anotados na ata redigida
pela servidora encarregada do serviço, os vereadores arrumaram uma forma de
trocar a ata original por uma fraudulenta, que dizia que o projeto de alteração
do Regimento Interno havia sido votado e aprovado. A troca da ata teria sido
feita com a colaboração do servidor Mauro Luís.
Com a substituição da ata digitada pela fraudada, a
funcionária encarregada de transcrever o texto para o livro próprio acabou
registrando as informações falsas, de que os vereadores haviam aprovado a
modificação por unanimidade, o que não ocorreu. Esses fatos foram levantados
nos dois inquéritos a partir dos depoimentos dos servidores.
Para concluir a trama, acrescenta o promotor, os envolvidos
fizeram uma nova substituição da ata fraudada, agora pelo texto correto dentro
do livro de atas. Isso porque a norma regimental determina que a ata da sessão
anterior seja lida na sessão seguinte e o costume no Legislativo de Jussara era
que essa leitura ocorresse a partir do texto digitado e não do transcrito.
Assim, com a leitura do texto correto na sessão do dia 22, não houve qualquer
impugnação por parte dos vereadores presentes, que confiaram que a ata lida
tinha o mesmo conteúdo do documento transcrito.
Depois de conseguirem seu intento, o grupo de parlamentares
deixou o projeto da emenda modificativa com um carimbo de “aprovado” na mesa da
servidora do protocolo, que elaborou, então, a emenda. Os vereadores, então,
assinaram o texto, que recebeu também o carimbo de “publicado” por
interferência de Alandelon.
Ata de posse
Com a finalização da fraude, observa Rômulo de Paula, o
assunto ficou “enterrado” até a véspera da posse dos eleitos, quando a
secretária da Câmara iniciou os preparativos para a solenidade, rascunhando a
ata da sessão no computador e levando os demais documentos para casa visando
finalizar o necessário. Naquele dia, porém, ela recebeu a visita de Mauro Luís,
que lhe pediu o Livro Ata alegando serem ordens de Deusdete.
Enquanto isso, Emivaldo, assessor jurídico da Câmara, foi
incumbido de fazer a alteração da ata rascunhada para inserir as alterações
necessárias “para amoldar o evento às novas regras estabelecidas fraudulentamente
pelos requeridos”. Assim, foi incluída no texto a modificação sobre a eleição
da presidência da Casa.
Com as alterações feitas pelo assessor, o Livro Ata foi
encaminhado para outra servidora, para que ela preparasse a ata de posse com as
mudanças trazidas pela emenda modificativa. Um rascunho da ata foi entregue
para orientar o trabalho.
No dia 1º de janeiro deste ano, data da posse dos eleitos, a
alteração do Regimento Interno foi anunciada por Deusdete José, que estava na
condução dos trabalhos. A informação causou grande comoção e revolta por parte
dos vereadores que desconheciam qualquer mudança nas normas. Os eleitos, então,
dirigiram-se até a delegacia e representaram à autoridade policial pelo crime
de falsidade ideológica.
Mérito
Conforme salientou o promotor, os fatos narrados demonstram
claramente a prática de atos de improbidade administrativa por parte dos
requeridos. Assim, ele pede, no mérito da ação, a condenação dos seis às
sanções previstas no artigo 12, inciso III da Lei nº 8.429/1992 (Lei da
Improbidade Administrativa). Entre estas sanções estão perda da função pública,
suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil
de até cem vezes o valor da remuneração e proibição de contratar com o Poder
Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios pelo prazo
de três anos. (Texto: Ana Cristina Arruda/Assessoria de Comunicação Social do
MP-GO – Foto: Promotorias de Jussara)
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